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A figura da Pombagira e a força feminina

A figura da Pombagira e a força feminina

Exu e Pombagira são seres cultuados em certas religiões de matriz africana, principalmente a Umbanda e a Quimbanda. Sendo assim, essas duas forças costumam ser cultuadas de forma parecida, pois compõem, segundo a Umbanda, a linha de esquerda – ao contrário dos orixás, a linha de esquerda trabalha com energias de polo negativo, pois são mais próximos ao plano material e, portanto, conseguem manipular energias mais densas, podendo proporcionar desejos materiais (porém necessários) para nós em nosso plano, como amor, relacionamentos e oportunidades de trabalho. Por trabalharem com energias densas, esses seres utilizam-se de bebidas alcóolicas, charutos e cigarros, por exemplo, para poderem se energizar e realizar os trabalhos.

Por Exu ser uma força ligada ao caos, à abertura de caminhos, à vitalidade e ao desejo de viver, é natural que o sexo também seja o seu domínio, já que é o ato relacionado à libido e à concepção da vida. Sendo assim, as Pombagiras trabalham com a sedução e a sexualidade, embora muitas vezes associadas à prostituição de forma errada. O autor Danilo Coppini (2018) escreve:

“Pombagira é Exu mulher, um ser que esteve na matéria, conheceu as luxúrias da vida, vivenciou complôs e armadilhas, foi traída, mutilada, foi rainha, princesa ou concubina, se vendeu por necessidade ou por pura vontade, matou, humilhou e foi humilhada. Viveram intensas paixões ou amores tendenciosos e interesseiros, riu, debochou, conduziu ao erro e foi conduzida aos abismos. Pombagira é um título para as mulheres que escreveram suas vidas de acordo com suas vontades, silenciosas ou não, são mulheres notáveis que marcaram suas passagens em linhas astrais e rasgaram suas roupas diante à Luz.” (2018, p. 424)

Desta forma, podemos perceber que as pombagiras são retratos de mulheres guerreiras e injustiçadas. São espíritos que se revoltaram diante das injustiças e, portanto, não deixam seus cavalos serem submissos, proporcionando empoderamento e autoconfiança.

A pombagira retrata o poder feminino de atração, passivo e receptivo. Quando tratamos de polaridade feminina e masculina, nada tem a ver com sexo ou gêneros feminino ou masculino, mas sim arquétipos de energia. Entende-se que toda e qualquer pessoa precisa de ambas energias feminina e masculina em sua vida de diferentes formas, como, por exemplo, estar passivo a atrair clientes no trabalho, cultivar a prosperidade dentro de casa e saber receber e cultivar amor dentro das relações. A energia feminina trabalha com atração, enquanto a masculina trabalha com agressividade, de forma repelente e atacante. Uma não é melhor do que a outra, essa relação é horizontal e, portanto, complementar. 

A partir desse empoderamento feminino que a Pombagira manifesta, percebemos a relação com Lilith, a primeira mulher de Adão. Lilith foi criada da mesma forma que ele e, portanto, não admitia ser submissa ou ser tratada como inferior em nenhum aspecto, e isso, diante do sistema patriarcal, era visto como rebeldia e insulto, fazendo com que ela fosse expulsa do paraíso e se tornasse um demônio. Tida como mãe dos demônios, Lilith se manteve forte em sua escolha e viveu sua liberdade sem medo, assim como as pombagiras. Coppini escreve que “Lilith é a expressão máxima de Pombagira, talvez a Mãe e Imperatriz de todas elas.” (COPPINI, 2018, p. 426)

Desta forma, entende-se as Pombagiras como filhas dessa revolta lilithiana. A maioria desses espíritos, quando em vida, tiveram histórias marcantes e violentas, com momentos difíceis e desesperadores envolvendo agressões, estupros, vícios, prisões, traições, entre outras complicações. A partir dessas agonias, conseguiram reescrever suas jornadas, superando os limites e assumindo o que eram, sem vergonhas ou medos.

Como estamos falando sobre um polo energético passivo e feminino, as pombagiras trabalham com influências nos bastidores, que motivam decisões “como conselheira oculta e que eventualmente usa do sexo e dos prazeres para galgar o que deseja. Esses espíritos literalmente fazem o que for necessário para alcançarem seus desejos e metas. O poder de sedução é tão intenso que age como teias, enredando o objeto ou pessoa de tal forma que dificilmente consegue escapar. Esse atributo ‘aracnídeo’ é mais uma qualidade oculta que encontramos na sagrada Deusa Lilith. Armar, aguardar, estrangular e sorver!” (COPPINI, 2018, p. 427)

A doutora Mariana Leal de Barros, em sua tese de doutorado, escreveu sobre a pombagira como interpretação afro-brasileira de mulher. Para isso, entrevistou alguns médiuns e mães de santo de terreiros em São Paulo. Uma dessas médiuns, ao falar sobre as pombagiras, afirma:

“[…] E muito a força feminina, lógico; que é vista como uma força fraca na nossa sociedade.[…] o que elas buscam é mostrar o contrário, […] a mulher aguenta dores que os homens não aguentam, elas conseguem conquistar as coisas fora da força que geralmente os homens conseguem…” “ – (BARROS, 2015, p. 133)

É essencial toda mulher cultuar Exu e Pombagira em sua vida para trazer o gosto pela vida e a autoconfiança necessária para superar os desafios cotidianos. Por último, mas não menos importante: um feliz dia da mulher para todas as mulheres guerreiras e donas de si, que incorporam pombagira e/ou exu e trabalham com essas forças maravilhosas. 

“Segundo uma das mães de santo colaboradoras, as pombagiras são “advogadas das mulheres”, protegendo–as e defendendo–as, seja de maridos que não as valorizam, seja de um emprego que as prejudica, ou até mesmo defendendo a médium de si mesma, quando esta boicota a própria vida. “ (BARROS, 2015, p. 136)

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FONTES: 

BARROS, Mariana Leal de. Performances de gênero na umbanda: a pombagira como interpretação afro-brasileira de “mulher”? 2015, São Paulo, USP. (Disponível em: https://www.scielo.br/j/rieb/a/X4H65Gj37NQqctdySqMGS5c/?format=html)

BARROS, Mariana Leal de. “Labareda, teu nome é mulher”: análise etnopsicológica do feminino à luz de pombagiras. Ribeirão Preto, 2010. (Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/59/59137/tde-18012011-111738/publico/Tese_Mariana.pdf)

COPPINI, Danilo. QUIMBANDA: O culto da Chama Vermelha e Preta. Via Sestra, 2018.  

NARVAZ, Martha Giudice. De Lilith à Pombagira: Literatura e arte para descolonizar corpos e mundos. Revista Literatura em Debate, 2021. (Disponível em: http://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/view/4042/3173)

Lilith – Núcleo de Pesquisas em Direitos Femininos. UFSC. (Disponível em: https://lilith.paginas.ufsc.br/sobre/lilith/#:~:text=Na%20mitologia%20sumeriana%2C%20Lilith%20era,a%20primeira%20esposa%20de%20Ad%C3%A3o)

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