A entidade que conhecemos atualmente como Zé Pilintra teve origem no Catimbó, no Nordeste. O Catimbó é um conjunto de práticas religiosas de raíz indígena, elementos do cristianismo e, a depender do local onde é praticado, também pode apresentar influências africanas. Assim como ocorre em algumas casas de religiões de matriz africana, a falta de corrente doutrinária ocasiona em diversos formatos da prática do Catimbó, a depender da maturidade, ética do dirigente e outros fatores, havendo até mesmo práticas mais soturnas, enquanto outras formas se apresentam mais alegres e festivas, no modelo de roda ou gira.
Essa religião tem como base o culto às ervas, principalmente a árvore Jurema (considerada sagrada), além de contar com a ajuda de símbolos e santos católicos, combinando com elementos afro-ameríndios, fumaças e cânticos para invocar os mestres. O aparato utilizado consiste em uma mesa, forrada ou não, na qual podem ser encontradas cachimbos, novelos de linhas, agulhas, botões, imagens de santo e crucifixo, alguidares, maracás, bonecas de pano, etc.
No Catimbó, o mestre Zé Pilintra usa camisa branca ou xadrez, calça branca arregaçada, descalço e com um lenço vermelho ou estampado no pescoço. Como quase todos os mestres, apoia-se em um cajado ou bengala e usa um cachimbo. Na Umbanda, podemos encontrar Seu Zé Pilintra na linha das almas ou dos baianos, manifestando-se como preto velho, usando traje branco simples, chapéu de palha e o laço vermelho. Em algumas casas de Candomblé e Umbanda, cultua-se Zé Pilintra como uma entidade da vertente da Malandragem na linha de esquerda, da falange dos Exus, assim como na Quimbanda.
Há diferentes histórias que contam sobre a vida de Zé Pilintra. Uma delas relata José Gomes da Silva, nascido no interior de Pernambuco; negro forte, ágil, de bom coração e galanteador, que gostava de jogatina e bebidas e possuía grande habilidade com a navalha e a peixeira. Dizem que ninguém ousava desafiá-lo e até a polícia respeitava sua fama.
Outra história relata que a família de José dos Anjos foi para o Recife para fugir da seca do sertão pernambucano. O menino teria perdido a mãe aos três anos de idade e, consequentemente, teria sido criado no meio da malandragem, dormindo no cais do porto e passado a trabalhar como moleque de recado das meretrizes. Tornou-se um homem alto, forte e respeitado nos negócios, mas foi encontrado morto aos 41 anos sem nenhum vestígio de ferimento.
Alguns contam que o Zé Pilintra da malandragem carioca teria nascido no Morro de Santa Teresa e seria um médium que incorporava o mestre juremeiro, enquanto outros acreditam que as histórias se misturam por conta dos nomes e arquétipos dos personagens. Não há evidências de que o Zé do Catimbó seja o mesmo da malandragem. Algumas pessoas acreditam que sim, outras que não, mas as histórias se fundem com os processos de sincretismo. A macumba carioca é, de fato, a grande responsável pela popularidade de Zé Pilintra, mas não há como negar a origem nordestina.
Em relação ao que conhecemos do arquétipo de Zé Pilintra atualmente, podemos destacar sua personalidade marcante: boêmio, sambista, que adorava apostas e jogos como bilhar, cartas, dados e jogo do bicho. Era um homem perigoso, conhecedor das artes da capoeira e que portava punhal e navalha. Retrato do malandro carioca, especialista nas leis do morro, não falava demais e criava relações criminosas sem estar atrelado ao crime. Era amado pelas prostitutas e odiado por dezenas de homens que o invejavam pelo seu charme e astúcia. O malandro deixou de ser carioca, sendo muito comum encontrar sotaques regionais em pessoas incorporadas.
Zé Pilintra é tido como senhor da rua, síntese do bom brasileiro, debochado, cheio de ginga e jogo de cintura. Pai dos desprovidos e do “jeitinho brasileiro”. Essa malandragem do povo brasileiro origina da necessidade de sobrevivência às hostilidades da discriminação e do racismo.
Fontes
http://www.ensinoreligioso.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=26
https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/sarava-seu-ze/
CATIMBÓ, UMBANDA E CANDOMBLÉ: O CAMPO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO EM JOÃO PESSOA. CONÇALVES, Antonio G. B.; CECÍLIA, Hermana. FFLCH/Departamento de Antropologia/USP.
COPPINI, Danilo. QUIMBANDA: O culto da Chama Vermelha e Preta. Via Sestra, 2018.