A nossa tão amada cachaça, puramente brasileira, tem uma grande história. Você conhece?
A cachaça é uma bebida feita a partir da fabricação do açúcar. O suco da cana é fervido em tachos, criando uma espuma que será fermentada para produzir a cachaça. Para purificar o açúcar, a espuma que boia nos tachos é retirada e servida aos animais com o nome de Cagaça. Com o tempo descobriu-se que a Cagaça recolhida em potes fermenta-se e ganha teores alcoólicos. Com o tempo, o nome evolui para cachaça.
A fermentação ocorre com microorganismos conhecidos como leveduras que convertem o açúcar da garapa (caldo de cana) em álcool. Esse líquido fermentado (chamado de vinho, assim como o suco fermentado de uvas) é aquecido em alambiques para tornar-se cachaça.

Durante a destilação, o álcool evaporado se condensa. A primeira parte do líquido, chamada “cachaça de cabeça”, corresponde a cerca de 10% do volume total e deve ser descartada, pois contém alto teor de substâncias voláteis que é muito prejudicial para o consumo. Os próximos 80% é a cachaça pura que conhecemos, podendo ser engarrafada imediatamente ou posta para envelhecer em barris. Os 10% restantes têm baixo teor de álcool.
Os fatores climáticos e o tipo de solo afetam diretamente na qualidade da cana-de-açúcar, podendo interferir diretamente na qualidade do produto final. Além disso, nas cachaças envelhecidas, o resultado depende do tempo de repouso e do tipo de madeira (carvalho é o mais comum).

Ainda há alguns mistérios relacionados à origem da cachaça. Sabe-se que as primeiras mudas de cana-de-açúcar chegaram ao Brasil no ano de 1502. O primeiro engenho de açúcar foi instalado na feitoria de Itamaracá, em Pernambuco, entre 1516 e 1526. O número de engenhos aumentou consideravelmente com a presença dos portugueses.
Estima-se que a primeira cachaça tenha sido produzida em algum engenho do litoral entre os anos de 1516 e 1532. Podemos citar três possibilidades:
- Entre 1516 e 1526, nas feitorias de Itamaracá, Igarassu e Santa Cruz, em Pernambuco, há registros de importação de açúcar para Lisboa em 1526;
- Em 1520, na região de Porto Seguro, na Bahia, há indícios de existência de engenho de açúcar;
- Entre 1532 e 1534, no Engenho São Jorge dos Erasmos (também conhecido como Engenho do Governador), no litoral de São Paulo, havia um empreendimento de quatro portugueses e um holandês.
O historiador Luís da Câmara Cascudo, em seu livro Prelúdio da Cachaça, apresenta a hipótese de que a primeira cachaça foi destilada por volta de 1532 em São Vicente, onde surgiram os primeiros engenhos de açúcar no Brasil.
Independentemente de sua origem, podemos dizer que a cachaça foi a primeira bebida destilada da América a ser produzida em grande escala e a ter relevância econômica, pois a indústria era baseada na perspectiva colonialista e utilizava o trabalho escravo. Com isso, a demanda de mão de obra aumentou e o comércio de escravos tornou-se uma oportunidade importante de geração de renda para os europeus escravagistas.
Em um período de escassez de moedas, no fim dos séculos XVI e XVII, o comércio de escravos no litoral africano ocorria em forma de escambo por tabaco, tecido, vinho, açúcar e também alguns destilados como rum, cachaça e conhaque. Os negros escravizados aderiram à cachaça rapidamente, consumindo para suportar as condições de trabalho e também em momentos de alegrias e festividades. Os destilados ganharam força, pois o alto teor alcóolico preservava a bebida e possibilitava o transporte de mais álcool, já que a cerveja e o vinho estragavam durante as viagens marítimas.
Entre os anos de 1570 e 1608, o número de engenhos de açúcar aumentou de 23 para 77. Consequentemente, a demanda por mão de obra escrava também crescia. Embora os registros sejam imprecisos, estima-se que cerca de 10 mil a 15 mil africanos escravizados por ano desembarcaram no Brasil.
No fim do século XVII na América Central, surgiu um novo produto de melhor qualidade e mais barato, que evoluiu para o rum que conhecemos atualmente. Os holandeses expulsos do litoral pernambucano levaram as técnicas de destilação e contribuíram para essa nova indústria.
Entre 1710 e 1830, acredita-se que pouco mais de 300 mil litros de cachaça foram enviados anualmente para Luanda, capital de Angola, e que 25% dessa quantidade era trocada por escravos.
Depois dos séculos XVI e XVII, a cachaça foi difundida pelo Rio de Janeiro e Minas Gerais. Durante o século XVIII, a indústria do açúcar entrou em declínio e passou a ser substituída pela extração de ouro em Minas. Para essa migração, as cachaças brancas eram armazenadas em barris de madeiras a fim de transporte e, com o tempo de contato com a madeira, o líquido tornava-se amarelo e ganhava sabores e aromas próprios. Acredita-se que daí surgiu, então, o hábito de envelhecer cachaça em barris de madeira.
A cachaça se tornou bebida de segunda linha no fim do século XIX e início do XX, quando instalou-se um preconceito contra tudo que era brasileiro, pois a moda europeia estava em alta e copiava-se, principalmente, a França. Era comum, então, que produtos nacionais fossem vistos como sem valor e destinados a pessoas pobres, incultas e, geralmente, negras. A abolição da escravatura contribuiu ainda mais para aumentar a discriminação racial e cultural. Os negros livres estavam totalmente desamparados, sem teto e sem trabalho. Esse sofrimento muitas vezes era amenizado pela bebida e, com o tempo, a cachaça foi se popularizando e tornou-se conhecida como a bebida não apenas dos escravos, mas também dos pobres, dos humildes, dos mestiços e dos trabalhadores. A medida que esse preconceito se perpetuava, surgia o movimento dos artistas e intelectuais, conhecidos como Modernistas. A Semana de Arte Moderna ocorreu em 1922, em São Paulo, e foi de grande importância para iniciar um processo de redescobrimento da brasilidade. Com isso, era comum que houvesse críticas irônicas e inteligentes à essa tentativa de trazer a cultura europeia.
Até hoje, a cachaça continua sendo vítima do preconceito e da ignorância devido ao seu baixo valor e associação às classes mais baixas (primeiro os escravos e depois os pobres e miseráveis). Nas últimas décadas, entretanto, tem sido reconhecida internacionalmente, o que ajuda a diminuir esse preconceito e rejeição dos próprios brasileiros. Além disso, tem conquistado um status de bebida chique. O sucesso internacional tem origem na famosa caipirinha.
FONTES:
SuperInteressante – Como é feita a cachaça
Mapa da Cachaça – História da Cachaça
FOLEGATTI, Myrtes M. S. A imagem da cachaça no Brasil e no exterior: uma proposta descritiva de mitos culturais brasileiros com aplicação em PL2E. Trabalho de Conclusão de Curso: Departamento de Letras. Rio de Janeiro, 2013.