Um Encontro de Culturas e Saberes Espirituais
Setembro é um mês especial para muitos devotos da Umbanda e de outras tradições afro-brasileiras. No dia 27 de setembro, celebra-se Cosme e Damião, dois santos que, além de serem venerados no catolicismo, têm um profundo significado espiritual nas religiões de matriz africana. Mas quem foram realmente Cosme e Damião? E como eles se manifestam dentro da Umbanda?
Por que 27 de setembro?
A data original da comemoração de São Cosme e São Damião na Igreja Católica era 26 de setembro, mas foi alterada para o 27 de setembro no Brasil por influência do sincretismo religioso e da popularização da festa em devoção às Crianças nas religiões afro-brasileiras.
Além disso, o dia 27 passou a ser oficialmente reconhecido como Dia de São Cosme e São Damião no calendário litúrgico brasileiro, integrando também as práticas devocionais populares como a distribuição de doces e festas abertas ao público — uma tradição enraizada na Umbanda e no Candomblé.
Essa mudança simboliza o entrelaçamento das tradições católica e afro-brasileira, e também facilitou a celebração conjunta das festividades em muitas comunidades, especialmente nos terreiros e centros de Umbanda.
Quem foram Cosme e Damião?
Na tradição cristã, São Cosme e São Damião foram dois irmãos gêmeos que viveram no século III, na região da Síria. Ambos eram médicos e, segundo relatos, praticavam a medicina de forma gratuita, tratando os pobres com amor e fé. Tornaram-se mártires por não renunciarem à sua fé cristã, sendo mortos durante a perseguição do imperador Diocleciano.
No entanto, ao adentrarem o Brasil colonial, esses santos passaram por um processo de sincretismo religioso, sendo associados a entidades e forças das religiões de matriz africana.
Cosme e Damião na Umbanda
Na Umbanda, Cosme e Damião estão ligados à linha das Crianças, entidades conhecidas como Erês, que representam a pureza, a alegria, a doçura e a sabedoria espiritual infantil. Essas entidades são extremamente poderosas e atuam na cura, na abertura de caminhos, na proteção dos lares e na renovação das energias.
O sincretismo com Cosme e Damião católicos ocorre por conta da semelhança com o arquétipo dos gêmeos e da doçura espiritual atribuída a ambas as tradições. Ao lado deles, também se celebra Doum, um “terceiro irmão” que, na Umbanda, representa a criança menor, o caçula.
Essas entidades trabalham com a energia da leveza, da brincadeira e da verdade dita com simplicidade — algo que toca profundamente o coração dos consulentes e médiuns.
Sincretismo com Ibeji no Candomblé
Na tradição do Candomblé, Cosme e Damião são sincretizados com Ibeji, o orixá das crianças e da dualidade. Ibeji é um dos orixás mais antigos do panteão iorubá e representa a energia infantil, a renovação e o início de tudo.
Enquanto no catolicismo os santos são dois irmãos mártires, no Candomblé Ibeji é celebrado como a força dos gêmeos sagrados, que trazem equilíbrio entre as polaridades, alegria e bênçãos. Essa associação entre Cosme, Damião e Ibeji reforça o caráter de união e resistência cultural presente nas religiões afro-brasileiras.
A Tradição de Distribuir Doces
Uma das práticas mais populares da celebração é a distribuição de doces, balas e brinquedos para crianças nas ruas. Esse costume, além de uma forma de devoção, carrega o símbolo da partilha, da doçura da vida e do agradecimento pelas graças alcançadas.
Nas casas de Umbanda, é comum que se façam oferendas com doces, bolos coloridos, pipocas, guaraná e brinquedos, muitas vezes dispostos em toalhas coloridas no chão, acompanhados de velas cor-de-rosa e azul, flores e orações.
Por que Cultuar as Crianças?
Apesar de parecerem “ingênuas”, as crianças espirituais são guardiãs da sabedoria mais pura. Na Umbanda, os Erês nos ensinam a olhar a vida com leveza, a sorrir diante das dificuldades e a falar com o coração. Eles ajudam na cura emocional, na limpeza espiritual e na proteção dos lares, sendo muito procurados por sua energia forte e amorosa.
Uma Festa de Fé, Resistência e Amor
Celebrar Cosme e Damião na Umbanda é também um ato de resistência cultural e espiritual. É afirmar o valor das tradições afro-brasileiras, da fé que cura, acolhe e transforma. É homenagear os orixás, os guias e os santos com a mesma alegria que uma criança sente ao receber um doce.
Finalizando com um ponto cantado
“Cosme e Damião, doum, doum
Vem brincar no meu congá
Erê, meu protetor
Na linha de Oxalá!”