A legião da pombagira Maria Quitéria ganhou esse nome em homenagem à heroína da Independência do Brasil na Bahia. Maria Quitéria de Jesus não teve uma educação formal, mas sabia atirar, cavalgar, pescar e caçar com maestria e, portanto, foi uma grande contribuição ao Exército Brasileiro na luta contra o domínio português. Por ser mulher, entretanto, não poderia servir.
Nascida em um distrito de Feira de Santana, a 100 km de Salvador, tinha dois irmãos mais novos, todos filhos da baiana Quitéria Maria de Jesus e do português Gonçalo Alves de Almeida. Conta a história de Maria Quitéria que ela testemunhou a morte de sua mãe aos 10 anos de idade e, com isso, assumiu a gestão da casa, tomando conta dos irmãos e dos afazeres da casa, caçando, pescando.
Após o falecimento da esposa, Gonçalo se casou mais duas vezes. A primeira madrasta de Quitéria faleceu de forma prematura, enquanto com a segunda não foi possível manter uma boa relação na questão da gestão da casa. Sendo assim, acredita-se que essa má relação foi o principal motivo para o início da sua rebeldia e trajetória no exército.
Maria Quitéria usou as roupas e o sobrenome de seu cunhado, José Medeiros, sendo conhecida, então, como Soldado Medeiros. A partir daí, ela entrou no Batalhão dos Periquitos, em Cachoeira, onde se entrosou com a tropa e participou de várias batalhas. Ela atravessou o Rio Paraguaçu com a água quase no pescoço e teve vitória. Sua coragem e destreza foram reconhecidas pelos colegas e também pelo próprio imperador Dom Pedro I. Mesmo tendo seu disfarce de Soldado Medeiros exposto e a desaprovação de seu pai, ela escolheu continuar no combate.
Quitéria continuou lutando e conseguiu se destacar no batalhão, especificamente em três batalhas: a de Pirajá, na defesa da Ilha da Maré e na de Piatã, onde ela entrou em uma trincheira, rendeu os portugueses e os levou sozinha para o acampamento. Depois disso, ela foi condecorada a cadete.
A guerrilheira recebeu várias honras, incluindo um convite para visitar o imperador e ganhar a insígnia de “cavaleiro” da Ordem Imperial do Cruzeiro. O seu pai, entretanto, estava muito chateado. Somente após uma carta escrita de próprio punho por Dom Pedro, que ressaltava a bravura e importância da mulher nos combates, foi que Gonçalo a perdoou.
Após a reconciliação, Maria Quitéria passou a viver em Feira de Santana e depois morou em uma cidade vizinha à sua terra natal, chamada Coração de Maria. Depois da morte de seu pai, foi para Salvador e casou-se com o companheiro, Gabriel de Brito, com quem teve a filha Luísa Maria da Conceição. A partir daí, ela passou a viver em anonimato. Em agosto de 1853, aos 61 anos, Maria Quitéria morreu na capital baiana e foi enterrada como indigente. Há uma estátua em sua homenagem no Largo da Soledade, em Salvador, e em Feira de Santana, há um memorial no Casarão Olhos D’Água.
Não à toa que uma Legião de Pombagiras ganhou o nome da guerrilheira em referência à sua força de vontade, coragem e não submissão. Danilo Coppini (2018) escreve que essa legião “integra espíritos femininos que guerrearam em suas vidas em busca de seus sonhos, seus objetivos e seus desejos. Mostraram a capacidade feminina de superação, inclusive em confrontos armados. São mulheres fortes, esclarecidas, cuja presença marcante e a percepção aguda marcaram suas presenças nessa vida material.” (p. 466)
Os poderes desses espíritos são comumente utilizados quando são necessárias força para combate e tomada de duras decisões, pois as energias favorecem a independência e a liberdade. São espíritos de mulheres naturalmente estrategistas, sempre dispostas à luta e que se tornam extremamente agressivas em períodos de demanda.
O autor também escreve que Maria Quitéria tem forte ligação com Maria Padilha das Almas, com quem absorveu conhecimentos magísticos, e Sete Saias, com quem aprendeu sobre sensualidade e forma de combate com as saias.
FONTES
COPPINI, Danilo. QUIMBANDA: O culto da Chama Vermelha e Preta. Via Sestra, 2018.